sexta-feira, 22 de maio de 2009

O GP do pânico, Mônaco 1994




Mônaco vai realizar o seu primeiro Grande Prêmio após ser eleito como a primeira das sete maravilhas do esporte mundial. O circuito nas ruas de Monte Carlo derrotou os estádios de Camp Nou, do Barcelona. o Ninho de Pássaro, em Pequim, o do Santiago Bernabeu, do Real Madri, o San Siro, em Milão, o Maracanã, no Rio de Janeiro, e o de críquete em Melbourne.

Também é oportuno lembrar esta foi a pista em que Ayrton Senna tornou-se rei, vencendo seis corridas. Mas, para ser sincero, o GP de Mônaco que eu não esqueço é o de 1994, no qual presenciei os dias mais dramáticos e tensos vividos pela Fórmula 1.

Faltavam poucos segundos para primeira sessão de treinos livres quando Karl Wendlinger apontou na saída do túnel para sua última volta. De repente, os pneus cantaram e uma fumaça azulada saiu debaixo do carro. Wendlinger só pôde cruzar os punhos sobre o volante, para não receber diretamente o impacto da colisão frontal contra o guard-rail.

O Sauber C13 foi largando destroços pelo caminho e, quando parou, a cabeça de Wendlinger tombou inerte sobre o ombro direito.

Eu fotografava o treino mecanicamente dos jardins do Cassino de Monte Carlo, 30 metros acima da pista, num ângulo que acabou sendo privilegiado no registro da tragédia. Do meu lado alguém gritou desesperado, “est mort”.

A Fórmula 1 entrou em pânico. Nos bastidores era unânime a sensação que seria muito difícil superar outra tragédia quinze dias depois do fatídico GP de San Marino, em que tinham morrido o austríaco Roland Ratzemberg e o tricampeão Ayrton Senna.

A confusão tomou conta do Principado. Pelos telefones do centro de imprensa, centenas de correspondentes adiantavam ao mundo a epígrafe do piloto.

Karl Wendlinger era austríaco, solteiro, tinha 26 anos. Com 35 GPs em seu currículo, nunca vencera na F-1 e seu melhor resultado era o quarto lugar, posição em que havia recebido a bandeirada em três oportunidades.

Bernie Eccletone, então presidente da Associação dos Construtores, Max Mosley, presidente da Federação Internacional de Automobilismo, e os donos de equipes estavam atônitos. Desde a morte do italiano Riccardo Paleti, no GP do Canadá de 1982, haviam se passado 12 anos felizes sem tragédia nas pistas. O temor do cancelamento do GP de Mônaco, defendido pela unanimidade da imprensa italiana, era uma possibilidade real.

Com uma mão agarrada a gola da minha jaqueta e a outra no telefone, o jornalista basco Jose-Mari Boss, tentava me convencer a 'matar' Karl Wendlinger. Como só eu havia fotografado o acidente, ele me achava apto a dar o atestado de óbito ao piloto. O espanhol era apenas mais um entre as duas centenas de jornalistas confusos e aterrorizados em Mônaco naquele dia.

Alguns suspeitavam que Wendlinger já havia sido retirado morto do carro. Outros o mataram no caminho do hospital de Nice. Havia os que publicaram que o austríaco tinha vida vegetativa e sua morte seria noticiada após o grande prêmio, quando o desligariam dos aparelhos.

Enquanto o cérebro de Wendlinger era mantido sem sonhos e sem reflexos, numa silenciosa célula da UTI do hospital de Nice, o caldeirão fervia em Monte Carlo. Os donos do circo não dormiam. Mantinham-se numa vigília nervosa, discutindo apreensivos o futuro de seus negócios. Valia tudo para exorcizar o azar e desviar os petardos contra os perigos da Fórmula 1 arremessados até do Vaticano.

A FIA prometia dar mais segurança aos carros e anunciava que a Federação e os Construtores da F-1 se comprometiam em criar um regulamento de segurança válido por cinco anos.

O clima ainda ficava mais carregado nas vielas do Principado com a legião de fãs de Ayrton Senna, que levantavam altares onde depositavam coroas de flores e acendiam centenas de velas.

Veio então a notícia de que Wendlinger ainda estava vivo no domingo pela manhã. Para os mais pragmáticos, o suspense cedera lugar à certeza de que haveria corrida e, se houvesse velório, seria depois do grande prêmio.

No costumeiro briefing dos pilotos com as autoridades da corrida, três horas antes da largada, foram impostos procedimentos radicais. O diretor da prova, instruído por Bernie Ecclestone e Max Mosley, recomendou todo o cuidado. Nenhum piloto deveria expor-se a riscos desnecessários.

A FIA e os Construtores sabiam que só uma corrida tranqüila espantaria a bruxa.
Foram tantas as recomendações que o piloto Gerhard Berger ironizou: "Só faltou eles proibirem as ultrapassagens".

Às 15:30 horas foi dada a largada e, as 17:20, Michael Schumacher cruzou a linha de chegada, depois de 328 kms na liderança. O pódio foi festivo. O príncipe Albert entregou a taça ao alemão, numa cerimônia vista por mais de um bilhão de telespectadores no mundo inteiro. A Fórmula 1 estava salva.

No hospital de Nice, Karl Wendlinger retomava consciência. Dez meses depois, no GP do Brasil, a Sauber entregou-lhe um carro para o austríaco provar que estava vivo. Ele competiu em mais cinco grandes prêmios e abandonou a categoria.

Por: Lemyr Martins

Fonte: www.quatrorodas.com.br

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